Especial: portos brasileiros na rota do tráfico de cocaína

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por Diniz Júnior, com a colaboração da Receita e Policia Federal

A apreensão feita no porto de Rio Grande em 2021  pela Receita Federal de mais de 1 tonelada de cocaína, revela outros números preocupantes: a de  que os portos brasileiros se tornaram uma rota alternativa para levar cocaína produzida na América do Sul a países da Europa. A rota foi reconhecida oficialmente em relatório da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (JIFE)) – o órgão independente criado para fiscalizar a implementação dos tratados da ONU sobre drogas.

O produto apreendido no porto gaúcho tinha como destino a Bélgica segundo a investigação.

Traficantes investiram US$ 100 mil para colocar cocaína em pedra de granito

Em 2017 a Polícia Federal apreendeu uma máquina de perfuração de granito avaliada em 100 mil dólares, em um  galpão que era utilizado por quatro traficantes mexicanos para armazenar drogas dentro de blocos de rocha. A droga veio da Colômbia para o Brasil e seria exportada de navio, através do Porto de Capuaba, em Vila Velha.

Bloco de granito foi usado pelo traficante para transportar 123 kg de cocaína
                   Bloco de granito foi usado pelo traficante para transportar 123 kg de cocaína

Os mexicanos chegaram a comprar outras cinco pedras para disfarçar o objetivo real da vinda ao Estado. A Polícia Federal apreendeu uma máquina de perfuração de granito avaliada em 100 mil dólares, no galpão que era utilizado por quatro traficantes mexicanos  para armazenar drogas dentro de blocos da rocha.

Em Santos, a principal rota

Em 2016 no porto de Santos, o maior porto da América Latina, foram apreendidas 10 toneladas de cocaína. O número é quase dez vezes superior ao de 2015, que foi de 1,5 tonelada. Neste ano de janeiro a abril foram apreendidas um total de 6,168 de toneladas do produto. Em Santos, maior exportador de açúcar e café, a droga vai misturada no meio desses produtos.

Neste caso, os criminosos utilizam a técnica rip-off loading, na qual a droga é colocada em uma carga regular, sem o conhecimento do dono.Em abril de 2017 mais de 700 kg de cocaína foram apreendidos e 8 pessoas foram presas no Porto de Santos. Entre os detidos, estavam sete estivadores, que estavam com tabletes de cocaína fixados ao corpo.

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Estivadores de Santos, SP, foram flagrados transportando tabletes de cocaína presos ao corpo (Foto: Divulgação/Polícia Federal)

Carregamentos da droga tinham como destino a Europa. Os trabalhadores portuários foram presos ao serem flagrados embarcando 32 quilos do entorpecente em um navio atracado no cais, com destino a Espanha, na Europa.

Cada um transportava, aproximadamente, 4 quilos de droga e receberia R$ 2 mil pelo serviço. Segundo a polícia, eles prenderam os tabletes ao corpo com um colete para despistar a atenção da fiscalização. Assim que descobertos pelos agentes federais e alfandegários, não apresentaram resistência e assumiram a tentativa de embarque ilegal.

Ainda de acordo com as autoridades federais, trata-se de uma nova modalidade de narcotráfico encontrada no cais santista. Até então, os registros se limitavam aos içamentos da droga aos cargueiros, a partir de pequenas embarcações, e também, dos flagrantes dentro dos contêineres, que são abertos ilegalmente pelos criminosos.

Diversas táticas

A natureza do transporte marítimo também permite aos criminosos enviar grandes quantidades da droga de uma só vez. Em alguns carregamentos interceptados, mas de uma tonelada de cocaína foi apreendida.

A Polícia Federal e a Receita já encontraram os mais diversos tipos de esconderijos usados para ocultar a droga. Em apreensões recentes, a cocaína foi encontrada em cargas de carvão, em tonéis de suco de laranja congelado e em embalagens de detergente.

Outra tática comum dos criminosos é ocultar o entorpecente dentro da estrutura metálica de contêineres que saem vazios do país, segundo informou a Receita Federal no porto de Santos.

Traficantes escondem cocaína em cargas e até em paredes de contêineres que saem do Brasil / PF
Traficantes escondem cocaína em cargas e até em paredes de contêineres que saem do Brasil / PF

Para combater essas práticas, a Receita adquiriu equipamentos de raio-x cada vez mais sofisticados para aumentar sua capacidade de inspeção de contêineres. Alguns conseguem penetrar chapas de metal de quase três centímetros de espessura. As cargas são examinadas antes de embarcar nos navios.

Uma das táticas usadas pelos traficantes para tentar burlar esse tipo de fiscalização é enviar ao exterior quantidades menores de cocaína, escondida com tripulantes de embarcações. Contudo, a tática mais ousada é o que a Polícia Federal apelidou de “pescaria”.

Nela, os navios cargueiros deixam os portos brasileiros sem entorpecentes. Os traficantes embarcam em botes a motor levando a cocaína em mochilas e se aproximam desses navios em alto mar. A droga é então içada por meio de cordas por tripulantes recrutados pelos criminosos.

Porém, independente da tática usada pelas quadrilhas, a Polícia Federal tem usado a cooperação internacional para tentar desmantelá-las. Com autorização da Justiça a PF deixa passar determinados carregamentos de cocaína para monitorar até onde ele é levado – com o objetivo de prender os receptadores da droga.

De acordo com o estudo anual, a quantidade de cocaína confiscada pelas autoridades mais do que dobrou na América do Sul entre 1998 e 2014, quando atingiu 392 toneladas Foto: Márcio Fernandes/Estadão
De acordo com o estudo anual, a quantidade de cocaína confiscada pelas autoridades mais do que dobrou na América do Sul entre 1998 e 2014, quando atingiu 392 toneladas Foto: Márcio Fernandes/Estadão

Relatórios do Escritório da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Drogas e Crimes revelam que o Brasil de fato se transformou no principal ponto de partida da cocaína que chega até o mercado europeu. A referência não aponta o País como maior produtor. Mas, entre 2009 e 2014, os portos nacionais teriam sido os principais pontos de trânsito, seguido pela Colômbia, pela Equador e pela República Dominicana.

Outra constatação da ONU é de que o Brasil é citado como o principal ponto de partida da cocaína que vai para a África, com mais de 51% dos casos e bem acima de todos os demais mercados. No caso africano, entre 2014 e 2016, pelo menos 22 toneladas de cocaína foram confiscadas na rota entre a América do Sul e a Europa, passando pelo oeste africano.

Nos últimos anos o Brasil se tornou o principal país de trânsito para o escoamento da cocaína sul-americana para a Europa – a droga que vai para os EUA, outro grande mercado, passa sobretudo pela América Central. Segundo levantamento de 2016 da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, a cocaína movimenta, por ano, 4,6 bilhões de reais no Brasil.

Há dez anos, o comércio entre a América do Sul e a Europa vem crescendo, e os traficantes usam essa oportunidade para esconder a cocaína entre as mercadorias. Por isso a rota preferida é a marítima, pois possibilita o envio de um grande volume de drogas escondido em contêineres. Com milhões de contêineres desembarcando anualmente e a grande concorrência entre portos, que procuram oferecer a liberação mais rápida dos produtos para atrair clientes, o controle minucioso das mercadorias é limitado.

A cocaína costuma ser embarcada nos portos de Santos e Paranaguá, entre outros. Seu destino são portos em Portugal, Espanha, Alemanha, Holanda, Bélgica, Itália, França e Reino Unido, com destaque para o porto holandês de Roterdã, onde grandes apreensões foram feitas nos últimos anos.

                                   Maior carga de cocaína apreendida em SC

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Em 2016 os agentes da Receita Federal apreenderam no porto de Itajaí em Santa Catarina 811 quilos de pasta-base de cocaína

A pasta-base estava em blocos de granito que seguiria para a Espanha.Havia 751 tabletes.Foram utilizados scanners e o cão farejador Lobo, do 1º Batalhão da Polícia Militar de Itajaí, que prestou apoio à operação. A ação envolveu equipes da Divisão de Repressão, Escritório de Inteligência na 9ª Região Fiscal (PR e SC) e a Vigilância e Repressão da Alfândega da Receita Federal do Porto de Itajaí.

A cocaína é trazida de países da América do Sul, como Bolívia e Colômbia, via Paraguai. Geralmente entra no Estado por carros, caminhões e ônibus, mas há suspeita que também seja arremessada de aviões. Depois, segue para o destino final em dois meios investigados: lançada pelo mar de forma clandestina em grandes navios ou disfarçada em contêineres com outros materiais que são exportados.

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