A arbitragem marítima: no Brasil ou no Exterior ?

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Luís Felipe Galante

Mestre em Direito Privado, Coordenador do Curso de Pós Graduação em Direito Marítimo da UERJ e Diretor Jurídico da ABDM – Associação Brasileira de Direito Marítimo

 

Seria viável realizar arbitragens marítimas no Brasil ? Ou somente, com a eficiência desejada, em centros internacionais. Na percepção de parte do segmento da navegação nacional, a arbitragem brasileira não apresentaria vantagens competitivas que justificassem a possível preferência por ela.

Diversos empresários nacionais, operadores do direito brasileiro e grupos empresariais estrangeiros que atuam no Brasil alimentam esta visão. As razões vão desde a desconfiança com aquilo que por eles é enxergado como algo ainda “novo” no país, até a pura e simples crença inercial de que os padrões e estrutura das arbitragens realizadas em centros tradicionais no exterior lhes assegurarão maior qualidade e eficiência.

Entretanto, essas visões ou percepções insistem em destoar da realidade, chamando a todos, operadores de direito do país, empresários e administradores nacionais ou estrangeiros a repensar suas escolhas.

A avaliação da eficiência de uma arbitragem se faz mediante certos critérios objetivos, tais como custos, tempo, qualidade intrínseca da decisão e executividade da sentença arbitral. Ora, é exatamente nestes parâmetros que a arbitragem brasileira tem se mostrado amplamente superior à arbitragem internacional, sempre que em jogo disputas tipicamente locais.

Comecemos pelo fator custos. No mundo do shipping as regras arbitrais internacionais mais adotadas são as da Corte de Arbitragem da ICC – International Chamber of Commerce de Paris e da LMAA – London Maritime Arbitrators Association.

Pois bem. Os custos da ICC numa arbitragem de, aleatoriamente, R$ 3.000.000,00, ficam na faixa de US$ 79.600,00 (!), muito, muito superior ao valor cobrado por conceituadas entidades arbitrais generalistas (não especializadas) existentes no país, qual a FGV (R$ 55.000,00), a Câmara de Comércio Brasil – Canadá (R$ 54.000,00) e a CIESP/FIESP (R$ 65.000,00). Porém, a distância mais ainda se acentua ao considerarmos os custos das duas entidades arbitrais brasileiras especializadas em comércio marítimo: o Centro de Arbitragem da Associação Brasileira de Direito Marítimo, fundado em 1998, e o recém-criado Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima – CBAM (R$ 28.500,00 ambos). Ou seja, o valor a ser aí desembolsado corresponde a apenas 8,95 % apenas dos custos da arbitragem ICC !!!

Não há estatísticas disponíveis a respeito dos custos totais das arbitragens sob os auspícios da LMAA. Mas, pode-se afirmar, sem medo de errar, que seus custos não diferem muito daquelas realizadas na ICC. Ambas têm sido igualmente criticadas por seus elevados custos. E não se pode esquecer, das despesas com árbitros e advogados estrangeiros, cujo custo sempre foi caro e muito superior ao mercado brasileiro.

Bem, e nas questões do tempo e qualidade intrínseca da decisão arbitral ? Ora, as arbitragens nacionais em nada ficam a dever às estrangeiras em termos de tempo para a sua conclusão. Ademais, desde 2007 as estatísticas da própria Corte de Arbitragem da ICC colocam o Brasil, ininterruptamente, como o 4º maior mercado de arbitragens do mundo. Portanto, qualificação e experiência são artigos que não estão em falta por aqui. Sobretudo se for para decidir disputas locais sob a lei local, que árbitros brasileiros sabem interpretar e aplicar melhor do que qualquer árbitro estrangeiro.

Finalmente, e a executividade da sentença arbitral ? Neste requisito as arbitragens nacionais batem de longe as internacionais quando a sentença arbitral tem de ser executada contra um devedor nacional. A razão ? As sentenças arbitrais brasileiras são executáveis imediatamente, como se fossem sentenças judiciais, ao passo que as sentenças arbitrais proferidas no exterior têm que submeter-se ao prolongado processo de reconhecimento de sentenças estrangeiras perante o Superior Tribunal de Justiça para serem implementadas em território nacional. O reconhecimento consome de dois a três anos em média, retardando sobremaneira a eficácia da decisão. Agreguem-se ainda a esta demora as despesas do processo (custas, traduções juramentadas, honorários advocatícios, etc.), e, aí, temos a arbitragem internacional em maior desvantagem ainda.

Mas, ao final, estaríamos querendo dizer que a arbitragem marítima internacional não teria mais lugar no Brasil, diante da ascensão da arbitragem doméstica ?

De modo algum. A arbitragem internacional tem e sempre terá seu lugar no cenário dos meios alternativos de resolução de disputas. À medida em que disputas apresentem um sabor menos local, então as típicas vantagens de uma arbitragem internacional manifestam-se de maneira inversamente mais intensa, com a escolha de um local neutro para a solução do litígio, a possibilidade de aplicação de direito estrangeiro eleito pelas partes para definir direitos e obrigações, etc.

Mas a recíproca também é absolutamente verdadeira. Quanto mais intrinsecamente local for a disputa (o local de execução do contrato ou do lugar de um acidente estarem no país; aplicação da lei brasileira; nacionalidade brasileira das partes; ser o Brasil o eventual lugar de execução da sentença arbitral, etc.), maior sua vocação para uma arbitragem doméstica. Este princípio básico acabou esquecido no Brasil, muito por força da nossa anterior falta de cultura arbitral. Agora, diante da maturidade da arbitragem no Brasil, esse esquecimento acarreta graves disfunções na escolha da arbitragem. E tais disfunções, a sua vez, custam dinheiro, tempo e agilidade, agravando, afinal, o custo Brasil. Contudo, o custo Brasil, neste caso, não é uma imposição externa ao empresário; é fruto da própria escolha sobre como administrar, de forma moderna, a solução de seus litígios.